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Brasileiros perdem direitos durante crise na imigração de Portugal

Caos nos serviços de regularização elimina apoios e oportunidades de trabalho ao mesmo tempo em que governo anuncia mais exigências no visto CPL

Os sorrisos podem iludir, mas a família da baiana Fernanda Barbosa é um dos retratos da recente crise da imigração que explodiu em Portugal.

Ela, o marido e a filha vivem o drama oculto pela frieza dos números, que expõem os mais de 400 mil processos de regularização pendentes no país: a maioria de brasileiros.

A brasileira está com a autorização de residência vencida e aguarda a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para renová-la.

Enquanto aguarda, Fernanda perde apoio do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) para qualificação de pessoas desempregadas, que, em troca, recebem auxílio do governo.

Fernanda faz um curso no IEFP por estar desempregada e teria direito ao subsídio mensal de cerca de € 360 (R$ 1,9 mil).

— Somente quem tem autorização de residência recebe, mas isso mudou este ano, porque em 2023 eu fazia outra formação e recebia — diz ela.

Na última semana, ela recebeu e-mail da AIMA com a cobrança antecipada da taxa para regularização. E quer deixar o curso e arrumar trabalho para pagar esta e outras contas:

— Estou quase desistindo do curso para procurar trabalho. Procuraria emprego de qualquer coisa — contou, consciente da dificuldade de conseguir trabalho com documento vencido.

A família chegou em 2022, mora na Figueira da Foz e o marido de Fernanda, Raimundo Ferreira, tem dois trabalhos, sem folgas, para poder sustentar ela, a filha Beatriz e o cachorro Thody.

— Ele está tendo que trabalhar em dois empregos: um durante a semana e outro aos sábados e domingos. O semanal é em um armazém na Figueira. Fim de semana é em uma distribuidora de medicamentos em Montemor (Coimbra) — afirmou.

Trabalho perdido
Como o Portugal Giro vem publicando, milhares de brasileiros sofrem com a AIMA. Ontem, centenas deles viveram uma segunda-feira de caos.

Há quem espere mais de um ano pela chance de regularizar a documentação. No meio do caminho, oportunidades de trabalho são perdidas.

É o caso da brasileira Sayonara Maria Ramos, que não consegue se cadastrar na plataforma Uber porque depende da autorização de residência, vencida há três meses, para gerar um nada consta:

— Infelizmente, não consigo trabalho em canto nenhum. Me bloquearam no aplicativo do Uber, onde eu dirigia, e não estou conseguindo mais trabalhar. Tenho contas para pagar. Estou desesperada. Recebo o seguro-desemprego de € 580 (R$ 3,2 mil), mas pago aluguel de € 1,3 mil (R$ 7,2 mil) — disse ela.

Sem apoio
O reflexo da falta de resposta da AIMA à demanda crescente atinge outros imigrantes, como a cabo-verdiana Jandira Rodrigues, que perderá apoio da Previdência Social.

— Eu ganho € 72 (R$ 400), que farão falta, por causa da minha filha Kelly, de 13 anos, que cursa o oitavo ano do ensino médio. O governo avisou que irá cortar em 10 dias se não renovar a autorização, que expirou, mas não tem vaga na AIMA — contou a cabo-verdiana, que vive com a filha em Lisboa:

— Sou mãe solteira e não tenho ajuda de mais ninguém. Sou mãe e pai e ganho salário mínimo (€ 820/R$ 4,5 mil) como ajudante de cozinha.

Segundo a advogada Priscila Corrêa, outros imigrantes, incluindo brasileiros, receberam o mesmo e-mail.

— Nos últimos dias, vários imigrantes têm sido surpreendidos com o aviso de cassação do abono de família, benefício que é assegurado por lei — disse ela.

Uma fonte do governo disse que resolver os problemas dos imigrantes com os serviços públicos virou prioridade, ainda que não haja um prazo definido.

A mesma fonte apontou o acúmulo de milhares de processos ao longo dos anos, herdados do governo anterior, como o principal obstáculo para a resolução do gargalo.

Entre os 400 mil processos pendentes, mais de 50 mil teriam feito o novo procedimento de pagamento antecipado de taxas. São imigrantes à espera há mais de um ano.

Mais exigências
Em declarações citadas pela agência “Lusa”, o secretário de Estado das comunidades portuguesas, José Cesário, informou que Portugal será mais exigente com imigrantes.

A principal mudança, segundo ele, será exigir comprovação de meios de subsistência aos imigrantes com visto CPLP, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Uma medida até então abolida na modalidade.

— Vai ter de demonstrar que tem condições para subsistir em Portugal enquanto andar à procura de trabalho —, disse Cesário, garantindo que isso seria uma maneira de assegurar os direitos dos imigrantes:

— Que venham com a defesa plena dos seus direitos, mas sem correrem situações de autêntica marginalidade, pobreza, isolamento, que não é bom para eles nem para o país.

O visto CPLP foi pensado para ser mais prático, mas é polêmico dentro da União Europeia. O secretário afirma que o cidadão lusófono, incluindo brasileiros, poderá pedir outro visto.

— Quando o visto CPLP surgiu, se sobrepôs aos outros. Estamos a implementar uma mudança, que é a pessoa poder optar se quer um visto CPLP ou outro. O facto de vir de um país CPLP não terá de obrigar um cidadão a ficar sempre com um visto CPLP — disse ele.

Página:

https://www.pois.pt/noticia/geral/2024/05/14/brasileiros-perdem-direitos-durante-crise-na-imigracao-de-portugal/421.html