Polícia

Brasileiro preso em Portugal diz: Devo, não nego, pago quando puder

Publicado dia 23/04/2024 às 08h31min
Polícia Judiciária revelou que suposto esquema de pirâmide com aluguel de carros teria causado prejuízo de R$ 43 milhões

O Portugal Giro entrevistou o empresário Cláudio Roberto Reis. Ele e a filha Thalita Reis foram detidos pela Polícia Judiciária (PJ) em 10 de abril, no Porto.

Pai e filha, segundo a PJ, são acusados de dar um golpe milionário com aluguel de carros no Brasil, que teria causado um prejuízo de R$ 43 milhões.

Ele admitiu dever aos clientes citando um ditado popular, mas negou que o total seja R$ 43 milhões: “Devo, não nego, pago quando puder”.

De acordo com a PJ, a dupla era procurada pela "prática dos crimes de associação criminosa e burla (fraude) qualificada". Era um suposto golpe em formato de pirâmide, segundo a PJ.

Eles trabalhavam a partir de Hortolândia, interior de São Paulo, gerenciando a empresa RT&T – Rent a Car Locadora de Veículos entre março de 2019 e junho de 2022.

Segundo Reis, a empresa tinha o que chamou de funcionários indiretos, ou “amigos que indicavam amigos” para alugar carros com a promessa de receber o dinheiro de volta, o que não aconteceu em centenas de casos.

Reis saiu em condicional, Thalita segue presa. Ambos aguardam a conclusão do processo de extradição para o Brasil. Ele é defendido pelos advogados Diego Bove e Carlos Britto, que acompanharam a entrevista. A filha tem outro representante.

Leia a entrevista:
Onde está este dinheiro citado pela Polícia Judiciária (PJ)?

— Se você e a PJ souberem, eu divido com vocês. O dinheiro eu disse que não sei. Se existissem R$ 43 milhões, eu não estaria como está me vendo, com roupa de trabalho, calça suja e em plena segunda-feira. Se eu tivesse R$ 43 milhões, iria me aliar a gente poderosa, fazer cirurgia plástica, trocar meu passaporte e ir para um paraíso fiscal. Não vim com R$ 43 milhões.

PJ alega no comunicado que deu prejuízo de R$ 43 milhões.

— Aí, a pergunta é diferente, outra conversa. Se alega que deu prejuízo, eu não tenho isso formalizado, nem ninguém tem formalizado ou contabilizado. Números são aproximados. O ônus da prova é de quem acusa. Prove por que R$ 43 milhões. Que seja a PJ, Federal, Civil, não importa. Cadê? Não tem. Temos que fazer contas. Tinha centenas de clientes, a minha empresa funcionava há três anos rigorosamente em dia.

E os clientes que alegam que não teriam recebido o dinheiro de volta, apesar da promessa?

— A promessa nunca foi vazia, sempre foi fundamentada em contrato de duas vias onde as pessoas fariam a locação e receberiam no final do contrato o cashback. Isso aconteceu por quase três anos. As pessoas que alegam que eu devo a elas, cabe apresentar legalmente na Justiça a prova. Cadê o contrato? No negócio, eles fizeram muita sacanagem comigo.

Eles quem?

— As pessoas que me acusam. Acontece que clientes meus, vendo que o negócio era lucrativo, montaram empresas semelhantes, que quebraram que nem eu quebrei na pandemia de Covid-19. Quando eu não tinha mais dinheiro para pagar ninguém, nem fornecedores nem honrar contratos, eles imputavam as empresas que quebraram antes para a minha empresa. Os R$ 43 milhões incluem empresas que não são minhas.

É impossível dizer para estas centenas de clientes que eles irão recuperar o prejuízo que alegam ter tido?

— Nada é impossível. Não posso dizer que é impossível.

Eu estou perguntando da sua parte.

— Hoje, humanamente falando, eu não tenho condições. Mas sempre fui da máxima que o homem trabalhando tem condições de honrar seus compromissos. Quando, a gente não sabe. O ditado diz: Devo, não nego, pago quando puder.

Assume que deve, mas não esta quantia. Qual a sua contabilidade, então?

— É difícil falar assim. Teria que ser ajustado, são muitos clientes, tem que pegar os contratos.

Nunca fez esta conta?

— Não fiz. Mas não chega aos R$ 43 milhões, com certeza. O que está em pauta não são os R$ 43 milhões que dizem que devo. São os R$ 43 milhões que dizem que eu tenho. São duas perguntas diferentes. Uma hora me pergunta cadê os R$ 43 milhões. Outra se devo. Tem que ser mais objetivo.

Eu fui bastante objetivo: de acordo com a PJ, a empresa deu prejuízo de R$ 43 milhões aos clientes.

— Aí, sim, não onde estão os R$ 43 milhões. Se há prejuízo…

Mas as pessoas investiram este dinheiro e, se chegaram a este total, o dinheiro deve ter ido para algum lugar. Foi investido ou o que?

— Toda a empresa tem risco de lucro e perda. Não dá para prever. O único objetivo é dar lucro e fazer pessoas que invistam ter lucro. Só que tivemos um percalço chamado pandemia.

Então foi a pandemia que fez a empresa quebrar?

— Foi uma das consequências. O negócio fluía naturalmente.

Quanto dinheiro devolveu em três anos?

— Nós pagamos em cheque R$ 3 milhões.

E por que o valor de R$ 43 milhões?

— Foi somado o valor de mercado dos carros, do investimento feito pelos clientes e o que esperavam de lucro (resposta do advogado Diego Bove).

Outro dado da PJ é que a empresa dava golpe em esquema de pirâmide.

— Quando montei a empresa, constituí um CNPJ. Fui na junta comercial com um contador, com documentos originais e fui aprovado pela Receita Federal para ser empresário. Não montei pirâmide. Aliás, o que é pirâmide?

É um investimento no qual é prometido um retorno financeiro aos participantes, mas que não acontece. O dinheiro circula, mas acaba parando nas mesmas mãos.

— E onde está?

Os clientes que teriam sido lesados revelaram que você montou negócio paralelo de investimento, com clube de financiamento para alimentar a base da pirâmide.

— Não é isso. Quando a empresa começou a dar lucro, todos foram pagos em dia. Sem exceção. Para eu poder investir aquela quantia considerável, montamos outras empresas para que o dinheiro pudesse render para nunca chegar onde chegamos. Acontece que quebrei. Fui vítima de vandalismo e criminosos. Me expulsaram. Botaram fogo na minha casa, me ameaçaram e me vi perdido. Nem tive tempo de reaver meus negócios e fazer um parcelamento para as pessoas.

Outros clientes alegam que a RT&T ostentava uma imagem de prosperidade que não tinha. Isso foi atraindo mais investidores e deu força para captar clientes em outros estados.

— Foi uma empresa vencedora, cumpriu o que prometeu até a pandemia (...) Trabalhávamos no limite do nosso dinheiro, mas nunca deixamos de pagar ninguém, enquanto havia dinheiro no caixa.

Por que você abriu um banco?

— Para pagar as pessoas, porque pelo nosso banco, legal, pagamos sem problema de limitação.

Quanto tempo o banco funcionou?

— Um ano e meio, até ao último dia que saí do Brasil, com clientes.

E teve clube de investimento a partir de R$ 1 milhão?

— Tinha. No ápice do nosso desespero, com o dinheiro que tinha na empresa, fizemos investimento para poder crescer o dinheiro e poder pagar as pessoas. Fui investir em criptomoedas, onde tive um tombo muito grande.

Investiu quanto?

— Muito. Uns R$ 4 milhões ou R$ 5 milhões.

Você tinha o dinheiro ou foi dinheiro dos clientes?

— Lucro da empresa.

Quantos funcionários tinha?

— Diretos, em torno de 60. Indiretos, uns 500. Porque todo cliente meu era um funcionário, porque indicava outro cliente, entendeu? Olha que interessante.

Cada cliente seu indicava outro cliente? Por que é interessante?

— É interessante, porque nunca fiz a empresa sozinho.

Não acha que podem interpretar isso como esquema de pirâmide?

— Indicavam por amizade. “Vamos lá pegar um carro comigo”. Não tinha comissão. Era assim: vou indicar você para o meu amigo. Para ele pegar carro, alugar um carro. Não tinha investimento.

Mas é considerado investimento, porque vão receber o dinheiro depois de usar o bem.

— Sim, sim. É isso. Amigo indicava amigo. Quer alugar um carro, vamos ali na locadora.

E agora, o que espera do futuro?

— Espero estar nas mãos de uma Justiça imparcial. O que poderia acontecer, legalmente falando, é deixarem eu e meus filhos vivos. Torcemos por algo justo.

Mas o que seria algo justo? Ser extraditado, como está previsto?

— A gente sabe que temos um sistema judiciário forte no Brasil. Mas o sistema carcerário é podre.

Tem medo de ir para o Brasil, então?

— Tenho receio. O sistema prisional não tem segurança, não ressocializa. Quem manda lá dentro não é o governo.

Fonte: Gian Amato ( OGlobo)